Agosto 2020

Ontem foi aniversário do Raul e lembro das aventuras do dia em que ele nasceu há oito anos, eu e o Di de carro no dia do rodízio pelo centro-sul de São Paulo tentando encontrar a maternidade. Meu primeiro sobrinho menino e a família toda estava muito ansiosa por sua chegada.
Seis meses depois do nascimento dele estávamos de partida para Irlanda e guardei com muito carinho a última cena em que o vi, todo gordinho sentado no sofá da casa da vó dele. No começo eu sofria muito pela distância dos meus pequenininhos mas por vezes ouvi: ” você acha que amor de tia é insuperável porque você ainda não é mãe”, hoje entendo. Amor de tia é imenso mas o amor de mãe é imbatível. Não tem nem como comparar, talvez as responsabilidades entre as diferentes funções também influenciam no abismo que distancia um sentimento do outro.
Minha mãe sempre foi louca por todos os netos, mas com o Raul, talvez por ser o caçula que estava perto, tinha uma chamego imenso. Ele também era bem apegado à ela e imagino que a dor da perda não deve estar sendo nada fácil de lidar. Se até mesmo a Isabel sentiu a perda da vovó, imagino os outros que já entendem melhor.
Nesse último mês Isabel chamou muitas vezes a vovó, antes eu dizia que ela estava dodói no hospital e que tínhamos que rezar muito por ela e depois de sua morte, passei a dizer que foi pro céu. Hoje quando ela vê alguma foto ou vídeo da vovó ela aponta pro céu.
Todo canto da casa me faz lembrar da mamily, quando estou lavando louça olho pela janela da cozinha e lembro de ficar observando o que ela fazia no quarto dela (que hoje é o quarto da Isabel), quando estou estendendo roupa, lembro que ela me dizia pra dar uma esticadinha antes que depois de seca pareceria passada, quando estou no sofá lembro das inúmeras sonecas que ela tirava com a boca aberta. Quase tudo que eu faço me trás lembranças dela, seja pelo tempo que passou aqui ou alguma outra situação em que estávamos juntas. Ontem enquanto estava no mercado vi uma garrafa de água de coco e lembrei de uma vez no calçadão de Osasco num dia super quente que tomamos água de coco, o carinho dela ter comprado sem que eu tivesse pedido, assim como foi a vida toda. Me dava presentes que eu achava que nunca precisaria mas que uso até hoje.
Esses dias eu tava parecendo a Holly do ” PS I love you” ligando pra caixa postal do Gerry, só pra ficar ouvindo a voz dele, mas como tenho a tecnologia ao meu lado, uso o WhatsApp pra acessar as muitas mensagens, fotos e áudios que trocávamos todos os dias. Terei lembranças por muito tempo e por mais que machuque algumas vezes pela saudade, sou grata por ter a presença dela constante.
Ainda nisso de ficar lendo as conversas antigas, acabei achando o que escrevi num aniversário dela em que estávamos no Brasil, eu dizia o seguinte:
” Mamily, criei uma lista imaginária de presentes que gostaria de te dar hoje, ou na próxima data comemorativa. A lista humildona começa com um escorredor de louças de dois andares de aço inoxidável, o segundo item seria um aspirador de pó e o terceiro, uma panela de pressão dessas modernas q fecham por fora. Tb criei uma lista requintada, onde consta uma viagem com tudo pago pra Valencia e algumas outras viagens pra q pudesse ver um pouquinho do mundo lá fora. Já no auge da minha ambição, tenho uma terceira lista, q dinheiro nenhum compraria: gostaria de te dar a eternidade, mas nesse sentido q me refiro, está longe do meu alcance. Em um dia inteiro só eu e a senhora, aprendi mais lições da vida do q em um ano de mestrado, e darei meu melhor pra guardar na memória tanta riqueza. A senhora é a maior demonstração de q a humildade é uma das maiores virtudes q o ser humano pode ter, e eu, arrogante e prepotente, agora vejo que os defeitos que tanto enxergava na senhora, eram somente um reflexo dos meus próprios. Nesses seus 58 anos eu te desejo uma vida muito longa, e q possamos nos espelhar no seu exemplo de pessoa, mulher, mãe e amiga. Que a sua presença sempre nos lembre do q somos feitos, de onde viemos e indique pra onde devemos ir. E depois de 30 anos me abençoando, hoje eu peço que Deus te abençoe ainda mais. 💜”
Quando escrevi essa mensagem eu já tinha um desejo muito forte de ser mãe e mal sabia que em duas semanas minha gordinha seria concebida. Nesses dois anos e meio minha vida mudou tanto, eu mudei tanto e minha mãe foi peça fundamental nessa mudança, seja por sua presença como por seus ensinamentos. Como se tudo que ela tivesse me ensinado um dia, não por palavras, mas por exemplo, finalmente tivesse sido captado.

Recebi tantas mensagens nesses últimos 20 dias, cada pessoa, da sua maneira, me deu um imenso suporte, muito carinho e amor. Queria ter agradecido da mesma maneira, mas algumas vezes só pude responder com um coração ou com um obrigada, por já me faltarem palavras. Ainda estou em uma turbulência muito grande de pensamentos e lembranças, isso acaba desfalcando ainda mais minha atenção, mas estou em paz. Mais uma vez, digo que a maturidade da idade faz toda diferença pra lidarmos com o luto. Também fiquei muito tocada pela quantidade de ombros amigos que se ofereceram pra me ouvir, mas eu nem mesmo saberia o que falar. Pensamentos aleatórios de lembranças aleatórias em situações aleatórias…

Agosto geralmente é um mês muito difícil aqui na Espanha porque é o pico do verão, calorzão vem com os dois pés na pressão te impossibilitando de sair de casa, o que torna tudo ainda mais introspectivo. Ano passado tínhamos planos de viajar pra um lugar frio nessa época mas a vida mudou e os planos tiveram de ser reajustados. Mas tá bão! A vida continua linda, digna de ser comemorada a cada instante, ainda mais que sabemos o quanto ela é curta e passa tão rápido! Bóra lá que só faltam 29 dias pra terminar o mês :p
Bjo, tchau!

Trilha sonora:
Rebel in me – Jimmy Cliff
https://www.youtube.com/watch?v=YhDMO5-L7Hs